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Efeito eleitoral dos protestos é imprevisível, dizem analistas
...
BBC Brasil
A
ausência de líderes entre os manifestantes que têm promovido uma onda
de protestos no Brasil e a insatisfação que muitos expressam com os
partidos políticos tradicionais tornam imprevisíveis os efeitos do
movimento nas eleições presidenciais de 2014, segundo analistas ouvidos
pela BBC Brasil.
Nesse cenário, dizem, todos os políticos no poder
- na Presidência ou nos Estados e municípios onde ocorrem manifestações
- tendem a sofrer desgastes. Eles avaliam que é cedo, porém, para saber
se eventuais lideranças que venham a emergir dos protestos ou políticos
fora do poder, como a presidenciável Marina Silva, conseguirão
canalizar as frustrações em seu favor na próxima votação.
Segundo o
Datafolha, 84% das pessoas que foram ao protesto em São Paulo na
segunda-feira não têm preferência partidária. A postura parece se
aplicar também aos manifestantes nas outras cidades, onde tanto a
petista Dilma Rousseff quanto congressistas, governadores e prefeitos de
outros partidos (da base aliada ou oposição) têm sido hostilizados.
Mais
ainda: o movimento, segundo analistas, tem no apartidarismo e na
crítica ao sistema político vigente um de seus principais pilares.
Alguns militantes de partidos esquerdistas foram forçados a recolher
suas bandeiras nos atos, e muitos participantes têm rejeitado acenos de
políticos e veículos jornalísticos simpáticos à oposição que, segundo
eles, estariam tentando agregar ao movimento bandeiras contra o PT, como
a punição aos réus do mensalão.
Neutralidade e elogios
À
medida que os protestos ganhavam corpo pelo país, os prováveis
candidatos à próxima eleição presidencial passaram a tratá-lo de forma
neutra ou até elogiosa.
Dilma disse que 'a grandeza das
manifestações de ontem (segunda-feira) comprova a energia da nossa
democracia, a força da voz da rua, o civismo da nossa população'.
Para o senador Aécio Neves (PSDB-MG), o movimento 'é um alerta para todos os governantes de todos os níveis'.
O
governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), que após os primeiros
protestos em São Paulo defendeu que autoridades garantissem o direito de
ir e vir dos moradores afetados, anunciou na terça-feira a redução do
preço do ônibus na região metropolitana do Recife. O gesto ocorreu a
dois dias de um protesto agendado na cidade.
Na quarta-feira, o
governador paulista, Geraldo Alckmin (PSDB), e o prefeito de São Paulo,
Fernando Haddad (PT), também baixaram a tarifa do transporte público na
capital do Estado, que voltou a R$ 3. O aumento também foi revogado no
Rio.
'Os políticos são seres que se dedicam à sua sobrevivência
permanente e não vão se confrontar com um movimento que leva cem mil
pessoas às ruas', diz Marco Aurélio Nogueira, professor de ciência
política da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Apesar da
postura, segundo ele, as manifestações desgastaram os líderes no poder.
Para Nogueira e os outros analistas entrevistados pela BBC Brasil,
dentre os atuais presidenciáveis, somente a ex-senadora Marina Silva
talvez possa se beneficiar das manifestações.
Marina gravou
recentemente um vídeo em que diz ter antevisto a eclosão dos protestos.
'Sempre dizia que era um erro tratar esses movimentos como se fossem
movimentos virtuais na internet e dizia, em várias palestras, que era só
questão de tempo para que transbordassem do virtual para o presencial'.
Segundo
ela, as pessoas que participam das manifestações 'não querem ser apenas
espectadoras: querem ser mobilizadoras, protagonistas dos processos de
transformação'.
Horizontalidade
O partido que Marina tenta
criar para concorrer às próximas eleições, a Rede Sustentabilidade, diz
se ancorar em algumas das demandas dos manifestantes, como maior
participação da sociedade nas decisões políticas ('maior
horizontalidade').
A defesa do meio ambiente e da
sustentabilidade, porém, tidas como grandes bandeiras de Marina, não
figuram entre as principais reivindicações dos movimentos nas ruas.
Para
Francisco Teixeira da Silva, professor de história moderna e
contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ainda
que possa vir a ser favorecida pelas manifestações, Marina não tem
conseguido dialogar com o movimento. 'É notório que ela não sabe
fazê-lo.'
Teixeira afirma que, com o início de negociações entre
governantes e manifestantes, 'é muito possível que se formem líderes
expressivos e exteriores a partidos atuais'.
Sem líderes
Porém,
para o professor de ciência política da Universidade de Brasília David
Fleischer, não há sinais de que o movimento se permitirá ser guiado por
líderes. 'Eles não seguem liderança, são movimentos que podem ser
considerados anárquicos.'
Ele rejeita comparações entre a
mobilização atual e o movimento dos caras-pintadas, em 1992, que viu a
ascensão do hoje senador Lindbergh Farias (PT-RJ). O movimento, que
buscava o impeachment do presidente Fernando Collor, era liderado pela
UNE (União Nacional dos Estudantes), então presidida por Lindbergh.
Já a principal organização por trás das atuais manifestações, o Movimento Passe Livre, não tem qualquer hierarquia.
Para
Marco Aurélio Nogueira, da Unesp, embora expliquem a grande adesão ao
movimento, a ausência de líderes ou partidos políticos por trás das
manifestações poderá dificultar seu sucesso.
'Uma hora alguém tem
que colocar o guizo no gato, transformar a agitação em decisão política,
em lei.' Segundo ele, se o movimento continuar a rechaçar os partidos,
'poderá abrir espaço para o surgimento de um salvador da pátria'.
E
num momento em que Dilma vê sua popularidade cair e, segundo o
professor, enfrenta uma resistência silenciosa no próprio PT, o partido
poderá resgatar seu principal líder para fazer frente ao cenário
desfavorável: o ex-presidente Lula.
Atento aos desdobramentos,
Lula disse no Facebook que 'ninguém em sã consciência pode ser contra
manifestações da sociedade civil porque a democracia não é um pacto de
silêncio, mas sim a sociedade em movimentação em busca de novas
conquistas'.
E na terça-feira, em mais um sinal do poder que ainda
exerce no governo, o ex-presidente se encontrou com Dilma para
aconselhá-la sobre como responder às ações.
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