02 abril 2010

DEPOSITÁRIO INFIEL JÁ ERA...

A súmula vinculante 25 e o fim do fiel depositário


A SÚMULA VINCULANTE 25 (FIM DA FIGURA DO FIEL DEPOSITÁRIO) E SUAS CONSEQUENCIAS NO DIREITO BRASILEIRO

Em 22 de novembro de 1969 os países-membros da Organização dos Estados Americanos reuniram-se na cidade de San José da Costa Rica e firmaram a Convenção Americana dos Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, que entrou em vigência em 18 de julho de 1978, constituindo uma das bases do sistema interamericano de proteção dos Direitos Humanos.Trouxe em seu preâmbulo ratificação da Carta da Organização dos Estados Americanos (Buenos Aires, 27 de fevereiro de 1967), da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Bogotá, em abril de 1948) e da Declaração Universal dos Direitos do Homem (10 de dezembro de 1948), além da determinação de que “os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades” (Art. 2º).
Dentre as diversas inovações de tal Convenção, destacaremos neste trabalho a determinação contida em seu artigo 7º, parágrafo 7º que estabelece: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.” e sua repercussão no direito brasileiro, uma vez que o Brasil tornou-se signatário da mesma e a aprovou através do Decreto Legislativo 27, de 25.09.1992 e promulgada pelo Decreto 678, de 06.11.1992.
A matéria da prisão civil no direito brasileiro passou a ter destaque com a edição do Código Civil de 1916 (art. 1.287), o Decreto-Lei nº 911/1969 e mereceu atenção Constitucional na vigente Carta de 1988 em seu art. 5º, LXVII (não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel) e mais recentemente foi mantida no art. 652 do Código Civil Brasileiro.Parecia então haver uma incongruência entre a determinação contida na Convenção Americana de Direitos e diversos preceitos legais brasileiros, notadamente aquele estabelecido por uma clausula pétrea e isso requeria uma manifestação dos Tribunais Superiores sobre o tema.
Durante muito tempo, o Supremo Tribunal Federal assumiu a atitude estranha de colocar os tratados internacionais sobre direitos humanos (como é o Pacto de São José da Costa Rica) no mesmo nível de uma lei ordinária, o que permitia de certo modo que uma lei ordinária posterior (como o Código Civil de 2002) pudesse manter a prisão civil (art. 652), uma vez que durante algum tempo havia uma discussão doutrinária acerca da hierarquia dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos em nosso ordenamento jurídico, tendo por fundamento o art. 5º, § 2º, da CF (a respeito do tema, vide Flávia Piovesan, Direitos humanos e o direito constitucional internacional, 6ª edição, São Paulo: Max Limonad, 2004).
A verdade é que apesar de dita matéria fazer parte de nosso ordenamento jurídico desde a década de noventa, a mesma só passou a ter efetividade após a Emenda Constitucional 45 (13.12.2004) em face de tal dispositivo ter inserido ao art. 5º da Constituição Federal o § 3º, dispondo que "Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais", inaugurando novo panorama nos acordos internacionais relativos a direitos humanos em território nacional.
Estabeleceu-se, pois, que obedecidos tais pressupostos, o tratado terá índole constitucional, podendo revogar norma constitucional anterior, desde que em benefício dos direitos humanos, e tornar-se imune a supressões ou reduções futuras, diante do que dispõe o art. 60, § 4º, IV, da CF (as normas que tratam de direitos individuais não podem ser suprimidas, nem reduzidas nem mesmo por emenda constitucional, tornado-se cláusulas pétreas).
A matéria em apreço foi enfrentada pela primeira vez no Superior Tribunal de Justiça em 10 de maio de 1999 pelas mãos do Min. Rui Rosado de Aguiar no REsp. nº. 198191 que já naquela ocasião pontificou “Não cabe a prisão civil do devedor fiduciante como depositário infiel.
O Pacto de São José da Costa Rica, aprovado pelo Brasil e introduzido no nosso ordenamento no nível de eficácia da lei ordinária, revogou a norma geral do art. 1287 do Código Civil, que previa a prisão do depositário infiel.”. Já Supremo Tribunal Federal a matéria foi inaugurada em 22 de novembro de 2006 quando teve início o julgamento do RE 466.343-SP de relatoria do Min. Cesar Peluso merecendo destaque que referido feito só foi efetivamente julgado em 05 de junho de 2009, em razão de inúmeros pedidos de vista.
Por ocasião do histórico julgamento dos Recursos Extraordinários 349703/RS e 466.343/SP , nossa corte constitucional reconheceu que os tratados de direitos humanos têm hierarquia superior à lei ordinária, ostentando status normativo supralegal, o que significa dizer que toda lei antagônica às normas emanadas de tratados internacionais sobre direitos humanos é destituída de validade, máxime em face do efeito paralisante dos referidos tratados em relação às normas infra-legais autorizadoras da custódia do depositário infiel.
Os ministros Celso de Mello, Cezar Peluzo, Ellen Gracie e Eros Grau defenderam que tais tratados têm o mesmo nível hierárquico que o da Constituição. Já os ministros Gilmar Mendes, Carlos Ayres Britto, Menezes Direito, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski afirmam que esses tratados ocupam um nível supralegal, isto é, estão abaixo da Constituição, mas acima de todas as leis ordinárias. Esse último entendimento é o da maioria, e consta no acórdão do RE 349703/RS que preconiza "o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna".
Além de tais dilações, o Professor Luiz Flávio Gomes chama atenção para o fato de que tal determinação faz surgir “... uma nova pirâmide jurídica: no patamar inferior está a lei, na posição intermediária estão os tratados de direitos humanos recepcionados pelo Brasil e no topo está a constituição, a decisão deixa claro que quando os tratados internacionais – que versem sobre direitos humanos - conflitam com a constituição brasileira (esse é o caso da prisão civil do depositário infiel) a solução não pode ser buscada no princípio da hierarquia. Não funciona (no conflito entre os tratados e a constituição) a hierarquia, sim, o princípio pro homine, que significa o seguinte: sempre prepondera a norma mais favorável ao ser humano. Não importa a hierarquia da norma e sim o seu conteúdo. O mais favorável prevalece. Não há que se falar em revogação da norma constitucional que conflita com o tratado. Todas as normas continuam vigentes. Mas no caso concreto será aplicada a mais favorável.”
Referida decisão é certamente uma das mais importantes da Suprema Corte nos últimos anos por diversas razões: pela primeira vez enfrenta a questão de qual grau hierárquico passa a ter os tratados internacionais que dizem respeito aos direitos humanos que forem recepcionados pelo Brasil; a partir de agora, toda lei deve ter dupla compatibilidade vertical: com a constituição e com os tratados de direitos humanos; qualquer antagonismo resolve-se pelo fim da validade da lei ordinária e a mais impactante delas é que referida decisão foi a base da Súmula Vinculante 25 que pôs fim a figura do infiel depositário:
“ É ILÍCITA A PRISÃO CIVIL DE DEPOSITÁRIO INFIEL, QUALQUER QUE SEJA A MODALIDADE DO DEPÓSITO.”
Resta-nos registrar que em que pese referida decisão está em consonância com o mais moderno ordenamento pretoriano mundial, constitui nesse primeiro instante, inegável preocupação no que diz respeito a efetividade da própria justiça brasileira, pois é de conhecimento geral que a justiça só se estabelece em face de seu poder coercitivo e a ausência da figura do fiel depositário enfraquecerá a efetividade das decisões judiciais uma vez que o executado não mais terá o receio de ter sua liberdade cerceada em razão do desfazimento do bem penhorado e por outro lado, no âmbito do aspecto contratual, referida decisão trará sérias conseqüências jurídicas, uma vez que as instituições financeiras não mais poderão lançar mão do tão temido cerceamento de liberdade na hipótese de desfazimento do bem por parte do cliente, o que certamente aumentará os juros nas operações que tenham por base alienação fiduciária, imporá a modificação das normas que estabelecem a busca e apreensão de bens que poderá passar a ser administrava a exemplo do que ocorre no Estado Norte Americano, além de contribuir para majorar o risco Brasil.
As conseqüências positivas e negativas de tal preceito sumular só serão conhecidas quando a justiça e o mercado passarem a dar efetividade a referida decisão que trará grandes repercussão em nossas vidas. É aguardar e ver o que virá.
1.“Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos.”2.Limitações materiais ao poder de reforma da constituição de um estado. Em outras palavras, são disposições que proíbem a alteração, por meio de emenda, tendentes a abolir as normas constitucionais relativas às matérias por elas definidas.3.RE 466.343-SP: EMENTA:
PRISÃO CIVIL.
Depósito. Depositário infiel.
Alienação fiduciária.
Decretação da medida coercitiva.
Inadmissibilidade absoluta.
Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.4.
Criada pela Emenda Constitucional 45, que alterou o artigo 103-A da Constituição Federal e constitui "um enunciado sintético e objetivo exarado por um Tribunal, com o escopo de uniformizar o entendimento reiterado em inúmeros e semelhantes julgados (jurisprudência), que obriga todos a harmonizarem suas condutas com o declarado pelo Tribunal" (André Ramos Tavares, Pedro Lenza e Pietro de Jesús Lora Alarcón, in "Reforma do Judiciário", pág. 306).5.
Aquele responsável por manter sob sua guarda e zelo bem seu ou de terceiros penhorado pela justiças ou em decorrencia de determinação de natureza contratual.

3 Comentário:

At 25/4/10 00:17, Anonymous Anônimo said...

Caro Amigo Luiz,o que vc estar achando dessa aliança do governo Flávio Veras. Acredito muito nas suas opniões.

 
At 16/2/11 10:30, Anonymous Anônimo said...

Opinião estonteneante neste blog, visões deste modo destacam a quem analisar neste blog .....
Faz maior quantidade deste sítio, aos teus leitores.

 
At 21/2/11 03:55, Anonymous Anônimo said...

Postagem prazeroza neste sítio, textos deste modo realção ao indivíduo que visitar neste sítio :/
Faz mair quantidade deste blog, a todos os teus visitantes.

 

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